Facebook

Golpe 'boa noite, Cinderela': maior parte das vítimas é homem e objetivo do crime é roubo

Desnorteado, um consultor de tecnologia de 36 anos acordou em cima de um papelão em um galpão
no Brás, sem celular, dinheiro, tênis, sem quase nada. A noite anterior havia começado em uma balada na Rua Augusta. “Em que momento doparam a minha bebida? Eu sinceramente não sei”, disse em depoimento. Dados exclusivos obtidos mostram que, na cidade de São Paulo, 93% das vítimas do golpe "boa noite, Cinderela" são homens, e o objetivo do crime é roubar quem sofreu o golpe. Os números revelam ainda que os crimes estão concentrados na região central, no entorno de bares e casas noturnas.
As estatísticas são de janeiro de 2016 a agosto de 2017. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública e foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Como o golpe não é tipificado criminalmente, a reportagem solicitou à pasta os boletins de ocorrência que fazem referência ao termo “boa noite, Cinderela” no histórico, parte do BO que conta como o crime ocorreu. A maior parte dos casos é registrada como roubo ou furto.
O caso com o consultor de tecnologia aconteceu em agosto deste ano. Ele estava em uma casa noturna quando começou a se sentir mal. “Meio mole, nunca havia ficado dessa forma, não era a sensação de estar bêbado”. Como se sentia cada vez pior, decidiu ir embora. “Minha visão começou a ficar turva e comecei a ter ânsia”.
Depois de sair da balada, ele tentou caminhar até um ponto de táxi na Rua Peixoto Gomide. “Não aguentando mais, sentei na calçada para vomitar e tudo começou a rodar e ficar embaçado, quando de repente uma pessoa chegou perto de mim, me levantou e me colocou dentro de um carro. Lembro de ter perguntando se era um táxi e a pessoa afirmou que sim. Quando entrei no suposto táxi, eu simplesmente apaguei e não lembro de mais nada”. Além dos danos materiais, fica o trauma de um golpe destes.
Os dados indicam ainda uma tendência que pode ajudar a explicar as motivações dos crimes. Para se ter uma ideia, os homens foram vítimas de 114 dos 123 boletins de ocorrência analisados (93% do total). Neles, quase todos os golpes resultaram em roubo ou furto. Há ainda dois casos em que, além do roubo, as vítimas foram estupradas.
Já entre as mulheres, vítimas menos frequentes deste crime (6% do total), o estupro é o resultado predominante para as vítimas. Foram sete registros de boletins de ocorrência feitos por mulheres e cinco delas (71%) sofreram estupro após o golpe.Cada caso é único, mas as investigações policias indicam um padrão no golpe. O autor costuma ser uma pessoa atraente, que se aproxima para o flerte com a promessa de companhia para a noite. A abordagem inicial geralmente é feita em bares, baladas ou até mesmo na rua, mas o crime se concretiza fora dali. Muitas vezes a vítima leva o criminoso para sua própria casa, ou é levada para hotéis de baixo custo, sem controle de entrada e saída de hóspedes ou câmeras de segurança que funcionem.
É comum que os criminosos atuem em dupla. “Principalmente nos casos de vítima homem, por causa de uma eventual contenção física da vítima”, explica Júlio Cesar dos Santos Geraldo, delegado do 4º Distrito Policial, na Consolação, um dos lugares com mais registros na cidade.
Um dos casos investigados pela delegacia aconteceu no dia 9 de abril, na Rua Augusta. Um homem de 32 anos contou à polícia que estava em uma casa noturna, conheceu um rapaz e o levou para sua casa. Quando acordou, não se lembrava de nada e teve pertences roubados. Também na Augusta, cinco meses antes, um supervisor de 26 anos contou que havia saído com um rapaz quando teve um lapso e não se recorda de mais nada. O autor do crime o roubou e fez compras no valor de R$1.930 com seu cartão.
A substância usada deixa a vítima vulnerável, e, antes de “apagar”, muitas vezes ela acaba fornecendo informações pessoais sigilosas. “O autor do crime, com acesso a informações bancárias como a senha, levava o cartão para fazer compras ou saques fora do local onde a vítima está. Atualmente, nós começamos a receber a notícia de que o autor já traz consigo uma maquininha, dessas de crédito ou débito”, alerta o delegado.
Apesar de geralmente ser aplicado em bebidas alcoólicas, bebidas sem álcool também podem ser adulteradas, como aconteceu no dia 14 deste mês. Um professor de 51 anos foi abordado na Rua Marquês de Itu, no Centro, em frente a uma casa noturna. Ele foi com o homem para um hotel da região, que lhe ofereceu um refrigerante. O professor não quis, o criminoso mostrou uma faca e exigiu que ele ingerisse a bebida. A vítima, coagida, bebeu e perdeu os sentidos. Quando acordou, estava sem seus pertences: celular, anel, cordão, pulseira, relógio e R$150.
Segundo a polícia, o número de casos é maior do que os que foram registrados, porque a vítima destes casos muitas vezes sente vergonha por ter caído no golpe. Algumas alegam, por exemplo, que sofreram um assalto à mão armada. Há casos ainda de homens casados ou comprometidos que não querem registrar o encontro com outra pessoa. Para evitar o crime, o delegado sugere que, em um primeiro encontro, a pessoa vá sempre em um local onde é conhecida. “Sem qualquer moralismo, as pessoas devem tomar cuidado em um primeiro encontro. Ela não deve, salvo se estiver muito segura pra isso, levá-la pra sua residência nem tão pouco pra um local escolhido pelo outro”. Se for o caso de um hotel, o policial disse que o ideal é que seja um local que tenha registro de entrada e saída, e que a pessoa faça questão de se registrar. Mais de uma mistura pode ser usada para se aplicar o golpe. De acordo o psiquiatra Dartiu Xavier, é comum a associação de duas substâncias: calmantes indutores de sono somados com, ou quetamina (usada como anestésico), ou GHB (usado no tratamento de dependências), e até cocaína.
O calmante é o que causará o apagão de memória. Já a quetamina e o GHB, se estiverem em grandes quantidades, deixam a vítima muito vulnerável. “A pessoa não sabe quem é direto nem onde está”, explica Dartiu.
Essas substâncias só podem ser vendidas com receita médica. “Mas sabemos que existe um mercado paralelo dos remédios”, disse o psiquiatra.


fonte g1