Bahia ao Peru de trem: Brasil e China assinam acordo inédito

 




Brasil e China assinaram nesta segunda-feira, 7, um acordo para iniciar os estudos de viabilidade de uma ferrovia transcontinental com cerca de 4,5 mil quilômetros de extensão. O projeto prevê a ligação do litoral da Bahia ao porto de Chancay, no Peru, conectando o oceano Atlântico ao Pacífico por meio de trilhos

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) formalizou um acordo com a China, nesta segunda-feira, 7, para iniciar os estudos de construção da ferrovia transcontinental entre os oceanos Atlântico e Pacífico.

O ponto de partida será a estrutura da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), em Ilhéus (BA), e terá como destino final o porto de Chancay, no Peru, inaugurado em abril.

O corredor começa em Ilhéus, indo até Mara Rosa, em Goiás, passando pelas ferrovias de integração Centro-Oeste (Fico) e Norte-Sul (FNS). Entre as cidades cortadas pelo roteiro, estão Lucas do Rio Verde (MT), Açailândia (MA) e Estrela D'oeste (SP).

O acordo foi firmado entre a Infra S.A, empresa estatal vinculada ao Ministério dos Transportes, e o Instituto de Planejamento da China Railway.

A parceria entre os dois países, já encaminhada com obras como a da ponte Salvador-Itaparica, foi reforçada na declaração conjunta do Brics, no domingo, 6. No documento, os integrantes do bloco apontam a necessidade de aumentar o diálogo para atender todas as demandas dos interessados.

“Reafirmamos nosso compromisso com o desenvolvimento de uma infraestrutura de transporte sustentável e resiliente, reconhecendo seu papel crítico no crescimento econômico, na conectividade e na sustentabilidade ambiental”, diz trecho do documento.

O projeto da ferrovia bioceânica que ligará o Brasil ao Peru, atravessando o território baiano até os portos do Pacífico, é apresentado como uma revolução logística capaz de reduzir custos, dinamizar exportações e aproximar o agronegócio brasileiro do mercado asiático. Mas por trás do entusiasmo oficial e do discurso de integração continental, há uma preocupação que não pode ser ignorada: o impacto potencial sobre a concorrência internacional.

Essa nova rota encurtará em milhares de quilômetros o transporte de grãos, minérios e outros produtos brasileiros até a China e outros destinos na Ásia. Ao reduzir fretes e prazos de entrega, o Brasil tende a se tornar ainda mais competitivo no fornecimento de commodities estratégicas. Para países que disputam fatias do mesmo mercado — como Estados Unidos, Argentina e Austrália —, isso significa pressão sobre seus produtores e exportadores.

O barateamento logístico poderá resultar em preços finais mais baixos, criando distorções na concorrência internacional. Grandes tradings e empresas multinacionais brasileiras ganharão fôlego extra para ampliar participação em contratos globais, enquanto concorrentes estrangeiros enfrentarão custos de transporte e infraestrutura mais elevados. Em setores como soja, milho e minério de ferro, essa diferença pode ser decisiva.

Outro ponto sensível é que, embora financiada em parte por investimentos privados, a obra conta com significativo apoio de governos, o que suscita questionamentos sobre subsídios indiretos. Países que competem comercialmente com o Brasil podem interpretar esse apoio como prática de dumping logístico — uma forma de reduzir artificialmente custos de exportação — e recorrer a mecanismos de proteção e disputas na Organização Mundial do Comércio.

Se, por um lado, a ferrovia bioceânica representa oportunidade de desenvolvimento regional e geração de empregos no Brasil, por outro, coloca em xeque o equilíbrio competitivo de mercados globais já marcados por tensões comerciais. O debate, portanto, deve ir além da euforia dos investimentos. É preciso pensar nas consequências geopolíticas e no potencial de retaliações que podem prejudicar o próprio país no longo prazo.

A ferrovia será um marco logístico sem precedentes, mas seu sucesso não pode se basear apenas na vitória sobre competidores externos. É necessário garantir que os ganhos comerciais não sejam acompanhados de acusações de práticas desleais e barreiras contra produtos brasileiros no futuro. A integração continental é desejável, desde que venha acompanhada de responsabilidade, transparência e compromisso com regras que sustentam o comércio internacional.



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